Thursday, March 23, 2006

IMPENETRÁVEL

Sentado à varanda pensava que há muito deixara de querê-la. Era fria e distante. Tinha lá suas razões. Sofrera muito com perdas e uma educação rígida, mas não se reciclara. Agora, na metade da vida, tentava manter uma aparência jovem, mas envelhecera por dentro.
Ele era inquieto, um tanto insatisfeito talvez, mas tinha claro que mulher, além de companheira, tinha de ser mulher. Sem frescuras, sem pudores, assumindo o desejo com alegria, como uma parte importante da vida. Nada a ver com atletismo sexual, como certas revistas femininas preconizam, mas com satisfação, contentamento, riso fácil, sono leve.
Por anos buscou isso junto a ela. Não encontrou. Sequer o diálogo havia, pois quando tentava falar em sexo, ela se fechava num mutismo impenetrável. Pensou na palavra e teve a compreensão buscada! Ela havia levantado defesas ao longo dos anos e, por fim, construído um muro em torno de si. Era uma fortaleza no alto de uma rocha! Inatingível. Por isso não respondia aos apelos dele. Era impenetrável.
O que fazer diante de tamanho obstáculo? Desistir, prosseguir assim? Uma e outra alternativa soava como derrota. Ah! Contornar o obstáculo poderia ser uma saída. Ir em busca de alguma coisa, ou de alguém, que lhe calmasse o desejo.
Havia as drogas e as mulheres. A primeira nunca experimentara e não seria agora, ao se aproximar da terceira idade, que se tornaria um drogado. Restavam as mulheres. Era uma saída. Hoje, cada vez mais jovens e atrevidas, assustam, pensava ele. Tinha medo do ridículo, mas mais ainda da solidão. Sempre dissera que a vida era para ser vivida, e permanecer onde estava era a morte.
Com esses pensamentos levantou e se encaminhou para a porta.

Nei Guimarães Machado
Oficina de Criação Literária
Maio de 2004.

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