Friday, March 24, 2006

APETITOSA

Maurício se surpreendeu com a entrada de Laura no restaurante.
- Tudo menos isso, pensou.
Não a via desde quando romperam o namoro, há sete anos. Tinha sido infantil e arrogante; imaginar que podia tocar a vida sozinho, sem ninguém para atrapalhar, era muita pretensão! Foram sete anos de conquistas pessoais, crescera na profissão, era respeitado, mas a presença de Laura ali, no mesmo lugar que ele, perturbava-o.
- É, ela está linda, apetitosa. Credo, que palavra para qualificar uma pessoa! Deve ser porque estou num restaurante, pensou. Mas era apetitosa, como uma manga madura. Havia um rubor na face, assemelhado ao rosado da manga e, ainda por cima, a pele macia. Isso ele lembrava bem.
Imaginou tocá-la, passar a mão de leve pelo seu corpo, aspirar seu cheiro, sentir seu gosto.
- Estou ficando excitado! Num restaurante e sozinho, é muita tristeza.
Ela estava acompanhada por um homem que lhe parecia conhecido. Ficou olhando-os e imaginando quem seria aquele cara bonitão, sarado, boa-pinta.
- Que raiva ficar me comparando!
Mas o cara era “o cara”. Qualquer mulher adoraria estar no lugar de Laura. E ele ali sozinho, já com vários cabelos brancos, roupas um tanto surradas, corpo meio flácido.
- Para Maurício! Disse para si mesmo. Para de te comparar. Saíste há pouco do trabalho, entraste no restaurante sem nenhuma pretensão a não ser jantar e depois ir para casa, agora terias de estar brilhando aos olhos de Laura?
Seguiu pensando essas e outras coisas a respeito de si mesmo, o quanto havia perdido e no que se transformara. De repente, se dá conta, ela não o tinha visto.
- Melhor assim, posso sair de fininho e não pagar mico.
O brabo era estar num daqueles dias de baixa auto-estima, quando o sofrer parece ser a única finalidade da vida. Não podia sair assim, tinha de falar com Laura, se mostrar um pouco, quem sabe até exibir aquela superioridade intelectual que ela tanto apreciara e, certamente, arrasaria aquele boneco musculoso que a acompanhava. Coisa de macho disputando território!
- Vou lá; não, não vou, vai ficar ridículo. A ansiedade e a dúvida agora tomavam conta dele. Deixo de pensar neles, olho para outro lado, peço uma sobremesa ao garçom, faço alguma coisa e esqueço a presença dela. É difícil, ela é apetitosa mesmo e aquele paspalho nem toca nela.
- Xí! Ela levantou e está vindo em minha direção, o que faço?
- Oi! Maurício, surpresa agradável, bom te ver! Posso ficar aqui um pouco? Não estou agüentando mais a companhia daquele meu amigo gay.

Nei Guimarães Machado
Oficina de Criação Literária
Maio de 2004.

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