BIG BROTHER
Há tempos as amigas insistiam para que visse o Big Brother. Não era “metida a intelectual”, mas a assombrava mulheres de meia-idade como ela, com curso superior, vendo aquele lixo. Pessoas exibicionistas, com escassa cultura, metidas numa casa para conviverem forçosamente durante três meses, só podia sair baixaria. E disso já tomara um fartão!
Não gostava de falar, mas tinha de desabafar. Vivera uma infância difícil, com pais brigando constantemente. Ela e o irmão mais novo tinham de ouvir as queixas que faziam um do outro. Desqualificações, por vezes palavreado chulo, xingamentos e brigas corporais foram uma constante na vida dela até os quinze anos, quando fugiu de casa para nunca mais voltar. Saíra sem olhar para trás, deixando tudo e todos. Doía muito ter de abandonar o irmão, mas se ficasse enlouqueceria ou seria uma mulher amarga, como sua mãe.
Trabalhara como doméstica e, por sorte ou por instinto de sobrevivência, se saíra bem. Tivera amizade dos patrões, nunca lhe perguntaram nada, estímulo, também. Pode estudar e “se fazer na vida” como costumava dizer. Aliás, costumava pensar, dizer alguma coisa de si mesma era muito raro.
Aos vinte e oito anos já havia concluído o curso de Pedagogia e a Pós-graduação em Psicopedagogia. Aprendera a gostar de crianças no seu trabalho. Deu-se conta que gostava de ensinar quando foi convidada para falar sobre sua experiência, no Dia da Empregada Doméstica. Desde então, decidira ser professora. Foram anos de sacrifício, trabalhando de dia e estudando à noite. Novamente, “sorte ou instinto de sobrevivência” foram fundamentais para seu êxito. Agora, já casada e com dois filhos, respeitada como educadora de classes especiais, não perderia tempo assistindo baixarias das quais, há muito, fugira.
Quando mais jovem lera “1984” de George Orwell, e ficara impressionada. A idéia de uma televisão, que tudo via e tudo controlava, a assustava. Agora, havia câmaras de vigilância em quase todos os lugares do seu mundo. Ah! Ainda não era espiada em sala de aula. Por isso, espiar os outros, mesmo sendo através de um programa na rede aberta de TV, a aborrecia. Mas o ser humano é curioso por natureza; se não fora assim, como seria a civilização?
Por fim, capitulou e, numa noite de terça-feira, a mais “movimentada”, assistiu ao programa. Uma baixaria só! Mas não conseguia despregar os olhos da tela. Sentia-se incomodada com aquilo, algo mais forte a mantinha ali. Subitamente deu-se conta: paralisada, estava de volta à casa dos pais, assistindo brigas intermináveis, a espera de um desfecho trágico. O que mais abominava voltara com toda a força!
Nei Guimarães Machado
Oficina de Criação Literária
Março de 2004.
Há tempos as amigas insistiam para que visse o Big Brother. Não era “metida a intelectual”, mas a assombrava mulheres de meia-idade como ela, com curso superior, vendo aquele lixo. Pessoas exibicionistas, com escassa cultura, metidas numa casa para conviverem forçosamente durante três meses, só podia sair baixaria. E disso já tomara um fartão!
Não gostava de falar, mas tinha de desabafar. Vivera uma infância difícil, com pais brigando constantemente. Ela e o irmão mais novo tinham de ouvir as queixas que faziam um do outro. Desqualificações, por vezes palavreado chulo, xingamentos e brigas corporais foram uma constante na vida dela até os quinze anos, quando fugiu de casa para nunca mais voltar. Saíra sem olhar para trás, deixando tudo e todos. Doía muito ter de abandonar o irmão, mas se ficasse enlouqueceria ou seria uma mulher amarga, como sua mãe.
Trabalhara como doméstica e, por sorte ou por instinto de sobrevivência, se saíra bem. Tivera amizade dos patrões, nunca lhe perguntaram nada, estímulo, também. Pode estudar e “se fazer na vida” como costumava dizer. Aliás, costumava pensar, dizer alguma coisa de si mesma era muito raro.
Aos vinte e oito anos já havia concluído o curso de Pedagogia e a Pós-graduação em Psicopedagogia. Aprendera a gostar de crianças no seu trabalho. Deu-se conta que gostava de ensinar quando foi convidada para falar sobre sua experiência, no Dia da Empregada Doméstica. Desde então, decidira ser professora. Foram anos de sacrifício, trabalhando de dia e estudando à noite. Novamente, “sorte ou instinto de sobrevivência” foram fundamentais para seu êxito. Agora, já casada e com dois filhos, respeitada como educadora de classes especiais, não perderia tempo assistindo baixarias das quais, há muito, fugira.
Quando mais jovem lera “1984” de George Orwell, e ficara impressionada. A idéia de uma televisão, que tudo via e tudo controlava, a assustava. Agora, havia câmaras de vigilância em quase todos os lugares do seu mundo. Ah! Ainda não era espiada em sala de aula. Por isso, espiar os outros, mesmo sendo através de um programa na rede aberta de TV, a aborrecia. Mas o ser humano é curioso por natureza; se não fora assim, como seria a civilização?
Por fim, capitulou e, numa noite de terça-feira, a mais “movimentada”, assistiu ao programa. Uma baixaria só! Mas não conseguia despregar os olhos da tela. Sentia-se incomodada com aquilo, algo mais forte a mantinha ali. Subitamente deu-se conta: paralisada, estava de volta à casa dos pais, assistindo brigas intermináveis, a espera de um desfecho trágico. O que mais abominava voltara com toda a força!
Nei Guimarães Machado
Oficina de Criação Literária
Março de 2004.
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