Friday, March 24, 2006

A FUNÇÃO PATERNA
(O PAI E O EXERCÍCIO DA AUTORIDADE)
Dr. Nei Guimarães Machado*


Em tempos mais recentes tem sido discutida freqüentemente a questão da colocação de limites nas crianças e adolescentes e, por via de conseqüência, o exercício da autoridade paterna. Pais e mães encontram-se perplexos diante dos desafios que os tempos modernos impõem na criação de filhos. Os valores morais são abstratos, no entanto sua transmissão de dá na concretude da convivência diária, por meio da assimilação de gestos e atitudes.
O que vemos: nossos jovens convivendo com atitudes dos pais (e autoridades) que desmentem seus prolixos sermões sobre a importância da disciplina e do respeito ao próximo. Pais que passam pelo acostamento quando a estrada está congestionada, param em fila dupla na frente da escola, desrespeitam a faixa de pedestres; professores que não cumprem horários nem programas de suas disciplinas; políticos que pregam uma coisa e praticam outras; policiais que deveriam proteger a sociedade, mas se associam aos bandidos; etc.
Freqüentemente os pais transmitem a seus filhos a mensagem de que não vale a pena ingressar no mundo adulto, feito de obrigações e encargos, pois apresentam o trabalho como um fardo intolerável, a relação conjugal ridicularizada como enfadonha e a presença de filhos apenas como um fator de desgaste.
Ora, diante dessa figura acabrunhada de pai que volta do trabalho como se carregasse um fardo, de uma mãe resmunguenta que se queixa da injustiça de sua jornada dupla, como esperar que os filhos respeitem esses adultos infelizes e queiram se espelhar neles como modelos a ser seguidos? O que se vê, então, são adolescentes “rebeldes” que não querem “crescer”, que retardam o mais possível o ingresso no mundo adulto e que têm comportamentos francamente desafiadores e, por vezes, agressivos até.
Os pais (e as mães!) ficam confusos para lidar com as frustrações dos filhos, confudindo-as com erros ou desvios de rota, sem poder entender que fazem parte do desenvolvimento humano, sobrecarregando-os com gratificações que só fazem incrementar a baixa tolerância à não satisfação imediata dos desejos, “criando” verdadeiros “monstros exigentes” em suas próprias casas. Quando, então, num gesto de desespero, tentam colocar limites se defrontam com a terrível frase dos filhos: Vocês são muito caretas! Ora, essa é a mais injusta das acusações, pois sempre nos esforçamos muito para não seguir os passos de nossos pais, estes sim verdadeiros e autênticos caretas. Caretas, nós!?
Mas por que os pais têm tanto medo de ser (ou parecer) careta?
Na manutenção e renovação da vida, em cada geração pais e filhos precisam se confrontar, num embate em que o jovem representa a mudança (portando ser responsável pela crítica e pela contestação), enquanto a geração mais velha é depositária da manutenção e transmissão de valores já testados e consagrados. Trata-se de uma luta simbólica, com regras justas e claras. É preciso, portanto, reafirmar, constantemente, que o trabalho não é um fardo, mas sim um espaço de desafios e descobertas, de satisfação e realização pessoal; que a experiência de paternidade (e maternidade também) traz um sopro renovador para a vida do casal; que o vínculo conjugal não é necessariamente um grilhão que tolhe a liberdade e impede o vôo: é muitas vezes o porto seguro para que o vôo se faça com maior segurança. Somos caretas sim, quando temos pudor de reafirmar nossas escolhas e confessar nosso compromisso com a ternura; quando não dizemos aberta e francamente que gostamos de nossos filhos, mas que, por vezes, não gostamos de certos comportamentos deles. Somos caretas ao fugirmos de olhar mais de perto o que caracteriza a cultura jovem dos tempos atuais e compreendermos o quanto ela é diferente da nossa, sem ser pior nem melhor. Se mudarmos continuamente de posição, para parecer sempre avançado e liberado, nossos filhos não terão clareza de seus limites nem de suas competências.
Precisamos ser mais autênticos e sinceros; talvez, então, possamos oferecer canais mais adequados para a elaboração da rebeldia de nossos filhos.

*Professor Adjunto na Escola de Psicologia da Universidade Católica de Pelotas, responsável pela Disciplina: “Sistema Teórico Psicanalítico”; Médico Psiquiatra do Centro de Extensão em Atenção à Terceira Idade (CETRES-UCPEL), responsável pelo “Ambulatório de Transtornos Afetivos na Terceira Idade”; Diretor Científico e Professor no “Curso de Especialização em Psicoterapia Breve-Focal” do Instituto Sándor Ferenczi.

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