Monday, April 03, 2006

QUANDO EU ERA CRIANÇA...

... fui morar em Santa Maria. Meu pai, funcionário do Banco do Brasil, havia sido transferido para lá – um tempo em que funcionário era como milico, ia para onde mandavam. Ele foi antes, para alugar casa, etc. Nós fomos dois meses depois: minha mãe e seis filhos, sendo o menor com apenas dois meses de vida.
Corria o mês de julho de 1944, fazia muito frio, chovia e o trem se arrastava lentamente, como cobra em busca de uma presa. Um dia inteiro para chegar a Bagé, fazer o pernoite e, pela madrugada, a baldeação rumo a Santa Maria. Noite do cão, todos amontoados num quarto de hotel de 2ª categoria, o bebê chorando o tempo todo, a madrugada fria, com nevoeiro, uma única lâmpada num poste. Outra vez o trem, as irmãs maiores ajudando a cuidar dos menores – eu tinha quase cinco anos! Lembranças que ficaram guardadas em minha mente com a força de acontecimentos que tivessem ocorrido hoje.
Fomos morar num sobrado que ficava em cima de um armazém. Tinha um terraço grande onde, vejam só, meu pai criava galinhas e um cachorro perdigueiro. Minhas três irmãs mais velhas e eu fomos para um “colégio de freiras” e as lembranças que guardo é a de rezar o tempo todo: ao entrar na sala de aula, ao sair para ir ao recreio, ao voltar do recreio, ao ir para casa, etc. Ainda havia as missas e, no altar, uma luzinha vermelha onde me diziam que estava o Espírito Santo. Ficava muito assustado! Um dia um cachorro louco mordeu uma de minhas irmãs, e várias outras alunas do colégio. Ela teve de fazer “21 injeções na barriga”, um fato impressionante para a mente de um menino curioso. Será que veio daí minha vocação para Médico?
Um fato interessante desta época é que Santa Maria sofria com um longo período de estiagem e faltava água nas residências. A solução era buscar o precioso líquido em cacimbas próximas da casa. Eram baldes e baldes a carregar escada acima; até um menino de quase cinco anos tinha de fazer força! Pois não é que um dia nossa casa pegou fogo! A lenha, o galinheiro, a casinha do cachorro, tudo ardia em chamas. Bombeiros não havia então o recurso foi um tanque cheio de água suja, no andar térreo, ao lado do armazém, que salvou a casa. Parecia aquele cenário de “filme de mocinho”, onde uma fila de homens jogava baldes de água nas chamas. As galinhas voaram para um terreno baldio que havia nos fundos da casa e o cachorro conseguiu rebentar a corrente que o prendia à casinha e se salvou. Uma cena pitoresca que se seguiu a essa foi ver meu pai, do terraço, arma de caça em punho, atirando nas galinhas. Devemos ter comido galinha por vários dias.
Outra recordação é a de meu pai tocando gaita de boca e cantando canções do Vicente Celestino e minhas irmãs mais velhas chorando de saudades de Pelotas. Voltamos um ano depois, quando eu já tinha feito seis anos e, então, começa outra história de minha vida.

Nei Guimarães Machado.
Janeiro de 2006.

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