Sunday, April 23, 2006

CASAMENTOS

Conheci uma viúva da minha faixa etária, sem filhos, com absoluta independência financeira, quieta, agradável, falava pouco, vestia bem, sabia se comportar, estas coisas, e o certinho aqui casou novamente. Que fria! Tanto ela quanto o casamento.
Com os filhos saindo de casa para seus estágios, mestrados, doutorados, o raio que o parta, só ficamos os dois, os malas. Um tédio só.

Quando saí do escritório do advogado só pensava em encontrá-la na Portaria. Para minha decepção não estava lá. De qualquer maneira fui àquele balcão de granito rosado na esperança de, ao menos, sentir seu perfume. Estava possuído por aquela mulher que tanto me impressionara.
- Vou voltar aqui amanhã com alguma desculpa e falar com ela.
Com esse pensamento martelando minha cabeça fui para casa. No caminho pensava no que tinha sido minha vida.
Empresário de sucesso, dois casamentos, três filhos do primeiro casamento, todos normais... Ri ao pensar nesta palavra: normal. Queria dizer que nunca me causaram problemas: nem drogas, nem gravidez indesejável, nenhuma confusão. Teria criado filhos normóticos? E eu, como seria?
Filho mais velho de uma turma de quatro, duas irmãs e um irmão caçula, tinha sido o exemplo: estudioso, nunca metido em farras nem brigas, um cara certinho. Fui estudar na Capital e lá sempre me comportei bem.
Lembro uma ocasião em que estando na Telefônica para falar com meus pais (neste tempo ligação intermunicipal era um troço complicado), encontrei uma moça de minha cidade que era bastante falada (era assim que a gente se referia às moças que tinham alguma experiência sexual sem serem prostitutas). Troca de cumprimentos e ela logo lascou o convite para sairmos dali para um cinema. Possível oportunidade para algo mais depois? É lógico que o cara certinho havia de recusar: tinha prova no outro dia! Anos depois contando este episódio para alguns amigos, caíram em cima de mim, me gozando, chamando de babaca, essas coisas. Agora penso que devo ter sido mesmo, pois a moça talvez quisesse apenas um pouco de diversão, e eu ali levando tudo a sério.
Ah! Esqueci de dizer que me formei Engenheiro e, ao voltar para minha cidade, com a ajuda de meu pai montei uma firma de construção civil e me dei bem.
Casei com a filha da socialite do momento. Uma chata! Mas só posso dizer isto agora, pois na época estava deslumbrado. Há um ditado que diz que filho de tigre sai pintado, pois não deu outra: ela logo se tornou uma socialite também. Tinha até conta corrente no estilista local! Eu pagava tudo porque achava que assim é que tinha de ser.
Os filhos vieram sem muito entusiasmo da parte dela e quando estavam adolescendo ela se mandou para São Paulo com um conhecido cirurgião plástico da Capital. Foi um arraso! Sabe com é, corno e com três filhos a gente vira E.T.
Levei tempo para me aprumar, fui tocando os negócios, criando os filhos com a ajuda de meus pais e minhas irmãs (nas férias de verão e inverno passavam com a mãe em São Paulo) e, de vez em quando saia com alguma mulher. Quase sempre não dava em nada.

Claro, com o tempo a gente fica mais malandro, menos certinho, comete algum pecadinho aqui, outro acolá. Sempre há uma Estagiária, ou Secretária, cheia de amor pra dar!
Aí acontece este encontro de ontem e estou nas nuvens. Apaixonado por uma desconhecida! Mas me sentindo vivo como há muito não sentia.

Nei Guimarães Machado
Oficina de Criação Literária
Abril de 2006.

Monday, April 03, 2006

SOZINHO OU ACOMPANHADO?

O dilema de compartilhar a vida com outra pessoa, ou não, é uma dúvida bastante freqüente entre aqueles que já experimentaram, reiteradamente, os prazeres e desprazeres de vários, e diferentes, relacionamentos de casal ao longo dos anos, nem sempre com bons “resultados”.
O conflito tem duas faces: por um lado a necessidade humana de completar-se com o Outro através do amor e, por outro lado, a necessidade de evitar, a todo custo, a dor e o sofrimento. Estes dois aspectos se acham freqüentemente contrapostos naquelas pessoas que não foram muito afortunadas em matéria sentimental. A necessidade de amar e a necessidade de proteger-se acabam funcionando como uma gangorra. Quando a pessoa se separou predomina o “instinto de conservação”, a necessidade de não voltar a sofrer, a desconfiança, as más recordações e a idéia de que se está “muito melhor sozinho”. No entanto, com o passar do tempo começa a surgir, gradualmente, a necessidade de companhia, a sensação de solidão, as fantasias de uma nova relação idílica, a vontade de se apaixonar e, quando menos espera, volta a dar “o mau passo”.
Relacionar-se assim pode ser tão danoso quanto o consumo de drogas. A pessoa se relaciona por necessidade de companhia e não por amor; sabe que no passado a “droga” lhe fez mal, mas acredita não poder viver sem ela.
As relações de casal baseadas no medo de ficar só quase nunca terminam bem, porque criam uma situação patológica de dependência que acaba matando o amor.
O medo irracional é um dos piores inimigos do amor. Quando ele surge, lentamente vai deslocando o amor e o substituindo por uma série de normas rígidas (conscientes e/ou inconscientes) que “seguram” o amor metendo-o em um cercado para que não escape, p. ex.
- Nas sextas à noite não vais sair com teus amigos.
- Compete à mulher o cuidado dos filhos.
- Quando vierem amigos aqui em casa não podes beber muito.
- Não pode ir sozinha ao cinema.
- Se gostas de mim e me queres, não podes ter amiga.
- Não é normal uma mulher casada ter amigos
- Esta saia curta não pode usar.
Este tipo de normas para “segurar” o amor, é justamente as que o liquidam. A carga é muito pesada porque a relação é de “amo (a)/escrava (o)”.
A possibilidade de sofrer estando com alguém ou sozinho está sempre latente nas relações humanas, por isso nenhuma apólice de seguro cobre riscos contra “o mal do amor”.
Por tudo isso, a única recomendação possível é que apostemos no amor. No amor pelo Outro como ele é, com qualidades e defeitos, mas acima de tudo por ser o Outro, aquele que me complementa, pois “... só nos humanizamos com um outro ser humano...”. Não há nada na vida que valha mais do que o amor. Se alguma coisa quer ganhar, alguma coisa terá de arriscar. Amar é coisa de valentes; covardes abstenham-se!

Nei Guimarães Machado
Oficina de Criação Literária
agosto de 2004
QUANDO EU ERA CRIANÇA...

... fui morar em Santa Maria. Meu pai, funcionário do Banco do Brasil, havia sido transferido para lá – um tempo em que funcionário era como milico, ia para onde mandavam. Ele foi antes, para alugar casa, etc. Nós fomos dois meses depois: minha mãe e seis filhos, sendo o menor com apenas dois meses de vida.
Corria o mês de julho de 1944, fazia muito frio, chovia e o trem se arrastava lentamente, como cobra em busca de uma presa. Um dia inteiro para chegar a Bagé, fazer o pernoite e, pela madrugada, a baldeação rumo a Santa Maria. Noite do cão, todos amontoados num quarto de hotel de 2ª categoria, o bebê chorando o tempo todo, a madrugada fria, com nevoeiro, uma única lâmpada num poste. Outra vez o trem, as irmãs maiores ajudando a cuidar dos menores – eu tinha quase cinco anos! Lembranças que ficaram guardadas em minha mente com a força de acontecimentos que tivessem ocorrido hoje.
Fomos morar num sobrado que ficava em cima de um armazém. Tinha um terraço grande onde, vejam só, meu pai criava galinhas e um cachorro perdigueiro. Minhas três irmãs mais velhas e eu fomos para um “colégio de freiras” e as lembranças que guardo é a de rezar o tempo todo: ao entrar na sala de aula, ao sair para ir ao recreio, ao voltar do recreio, ao ir para casa, etc. Ainda havia as missas e, no altar, uma luzinha vermelha onde me diziam que estava o Espírito Santo. Ficava muito assustado! Um dia um cachorro louco mordeu uma de minhas irmãs, e várias outras alunas do colégio. Ela teve de fazer “21 injeções na barriga”, um fato impressionante para a mente de um menino curioso. Será que veio daí minha vocação para Médico?
Um fato interessante desta época é que Santa Maria sofria com um longo período de estiagem e faltava água nas residências. A solução era buscar o precioso líquido em cacimbas próximas da casa. Eram baldes e baldes a carregar escada acima; até um menino de quase cinco anos tinha de fazer força! Pois não é que um dia nossa casa pegou fogo! A lenha, o galinheiro, a casinha do cachorro, tudo ardia em chamas. Bombeiros não havia então o recurso foi um tanque cheio de água suja, no andar térreo, ao lado do armazém, que salvou a casa. Parecia aquele cenário de “filme de mocinho”, onde uma fila de homens jogava baldes de água nas chamas. As galinhas voaram para um terreno baldio que havia nos fundos da casa e o cachorro conseguiu rebentar a corrente que o prendia à casinha e se salvou. Uma cena pitoresca que se seguiu a essa foi ver meu pai, do terraço, arma de caça em punho, atirando nas galinhas. Devemos ter comido galinha por vários dias.
Outra recordação é a de meu pai tocando gaita de boca e cantando canções do Vicente Celestino e minhas irmãs mais velhas chorando de saudades de Pelotas. Voltamos um ano depois, quando eu já tinha feito seis anos e, então, começa outra história de minha vida.

Nei Guimarães Machado.
Janeiro de 2006.