Thursday, August 30, 2007

DISTIMIA: DOENÇA DO MAU HUMOR?

Dr. Nei Guimarães Machado*


“Sofro sem sentir nem pensar. Tudo é tanto, tudo é tão fundo, tudo é tão negro e tão frio”.
Fernando Pessoa.

O conhecido escritor português dizia sofrer de “neurastenia” – uma forma de depressão, hoje englobada na Distimia. O que vem a ser a distimia? Trata-se de um transtorno persistente do humor, que até ficou conhecido como “doença do mau humor”, decorrente de uma disfunção neuroquímica do mau aproveitamento de serotonina e noradrenalina pelo cérebro. Fatores ambientais também estariam na gênese desta doença. O distímico, de modo geral, é uma pessoa pessimista, irritada, que parece estar permanentemente “de mal com a vida”. Precisamos saber diferenciar os maus humores passageiros, decorrentes de situações específicas como brigas, frustrações e perdas, de um mau humor persistente, que pode durar mais de dois anos, independentemente de fatores situacionais. Quando isso ocorre estamos falando, então, de distimia, uma doença crônica que deve ser tratada por profissionais especializados.
Fernando Pessoa, no “Livro do Desassossego”, revela um mau humor constante e uma grande irritabilidade diante de situações que para outras pessoas não teriam grande relevância. Descreve ele suas sensações como “uma náusea física da vida”, um sentimento de estar “sem alma para trabalhar”, um “insuportável tédio de todas as caras”.
No distímico o humor costuma ser triste/melancólico, mas pode ser irritável, com predomínio de ansiedade, o que faz com que muitos pacientes não se julguem deprimidos até que o quadro se agrave, chegando a angustia e “dor” psíquica. Quanto mais crônico for o curso dessa enfermidade, mais ela se confunde com a personalidade, com o “jeito de ser” do indivíduo, como vimos nas citações de Fernando Pessoa.
Pesquisa feita nos Estados Unidos (sempre lá!), pelo Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH), indica um índice de 3,1%, ao longo da vida, para distimia entre pessoas com mais de 18 anos. Admite-se que a distimia comece na infância e/ou adolescência, manifestando-se, muitas vezes, por humor irritável e distúrbio do comportamento, o que provocará, na maioria das vezes, desadaptações na família e na escola, afetando o desempenho intelectual e social.
Em relação à origem desta doença (etiopatogenia) há um consenso que dá o mesmo valor para fatores genéticos e ambientais. História familiar com casos de transtorno depressivo deve ser valorizada bem como antecedentes nos pais de distímicos, de uso de substâncias psicoativas (alcoolismo ou outras drogadições). Eventos traumáticos vitais, principalmente os vinculados a perdas, têm sido reconhecidos como fatores de risco para distimia.
Tendo em vista que os distímicos são cronicamente melancólicos, tristes, niilistas e de baixa auto-estima, com risco de suicídio trinta vezes maior do que para a população geral, devido a seu sentimento de desesperança, impõem-se maiores estudos para um diagnóstico mais acurado e, conseqüentemente uma terapêutica, tanto psicofarmacológica como psicoterápica mais eficiente e eficaz.

*Médico Psiquiatra responsável pelo “Ambulatório de Transtornos Afetivos” do CETRES-UCPEL
Publicado no Diário Popular de 29/09/02.

Monday, August 27, 2007

SEXUALIDADE NA TERCEIRA IDADE.

Dr. Nei Guimarães Machado*

A sexualidade humana existe em todas as fases do desenvolvimento do indivíduo; não é uniforme durante toda a vida em termos de quantidade e qualidade, mas poderá ser sempre prazerosa. Temos observado, no entanto, que a sociedade ainda considera a sexualidade do idoso como algo inadequado ou, no mínimo, estranho. Para a maioria das pessoas, na terceira idade se é assexuado. Se uma mulher ficar viúva, é esperado que se case novamente para ter um companheiro que a ampare na velhice, diminuindo a responsabilidade dos familiares, jamais porque deseje um parceiro que a satisfaça sexualmente. O homem viúvo deverá buscar uma mulher que lhe seja prestativa em suas necessidades diárias, mas não para seus desejos sexuais. É por raciocínios assim que existe, ainda, uma crítica social severa quando pessoas idosas se casam com pessoas jovens. É inaceitável a idéia que o idoso possa ter desejos sexuais, bem como é inaceitável que uma pessoa jovem possa sentir encantamento ao se descobrir apaixonada por um idoso.
Nossa cultura tende a rotular o homem idoso como impotente e a mulher idosa como desprovida de atrativos físicos. Com esses rótulos são freqüentes homens e mulheres idosos sentirem-se incapazes para exercer sua sexualidade; no entanto, independente da impotência emocional ou orgânica, o desejo sexual se mantém presente. Como expressá-lo em meio a tantos preconceitos tem sido objeto de estudo mais recentemente. A partir da 2ª metade do século passado a sexualidade humana passou a ser discutida e vivenciada com maior liberdade. Homens e mulheres puderam descobrir a sua sexualidade e aprender a desenvolvê-la de diferentes maneiras. Temos observado que o medo de envelhecer freqüentemente está associado à repressão sexual que o idoso atual sofreu em sua juventude. A sexualidade sempre existirá na vida das pessoas e deve ser praticada por todos os indivíduos que assim o desejarem. Cada pessoa trará, para a velhice, sua história de vida, incluindo aí como vivenciou sua sexualidade. O que lhe trouxe satisfação na juventude e na idade adulta poderá seguir lhe trazendo na velhice, de acordo com suas capacidades físicas atuais.
Para muitos idosos o conceito de sexualidade se prende, ainda, à época em que sexo era assunto proibido para menores e “senhoras de respeito”. Temos visto, hoje, que sexo se transformou numa mercadoria que pode ser comercializada, invadindo a mídia e o marketing. Então, o idoso se vê premido entre a “repressão” do antigamente e o “liberou geral” de atualmente.
Um casamento sem vida sexual ajustada não sobrevive; a ligação sexual traz o indispensável elo afetivo. Na Terceira Idade temos de entender “vida sexual ajustada” não com a ótica da juventude, ou da idade adulta, onde o assim chamado “atletismo sexual” é o que é buscado, mas sim tendo aprendido a conhecer a enorme diferença que há entre a “natureza” sexual do homem e da mulher, saber exercê-la num clima muito mais afetivo, de carinho, sedução, toques suaves, abraços e beijos, como um preâmbulo prazeroso para a relação genital propriamente dita. Aprender a descobrir as necessidades do companheiro (a) é tornar a relação sexual um processo de conhecimento mútuo e, também, de autoconhecimento.
“O idoso precisa reaprender a descobrir seu corpo, sua sensualidade e sua sexualidade. A auto-estima precisa ser trabalhada, não se pode amar o outro se não existe amor pelo seu próprio ser e pelo seu próprio corpo. A mudança dos conceitos sociais é essencial para que a pessoa possa suportar as pressões sociais. E por fim, mas também de grande importância, o processo deve ser realizado pelo casal e não apenas por uma pessoa. Mesmo que a pessoa encontre um novo companheiro/a é necessário que exista uma conjunção de interesses na relação”.

*Médico Psiquiatra responsável pelo “Ambulatório de Transtornos Afetivos da Terceira Idade” do CETRES-UCPEL.
Publicado no Diário Popular de 14/07/02.

Tuesday, August 21, 2007

Abandono.

Há muito tempo sua consciência pesava. Tinha certeza que errara ao destratá-la, mas o já feito não tinha reparação.
Vinha bebendo muito, os amigos advertiam que acabaria no fundo de uma garrafa; ele se defendia dizendo ser um domador de garrafas.
Dizia essas coisas com falsa alegria, pois sabia que sua vida tinha virado uma tristeza só desde que ela se fora.
Parafraseando o Gui.

Cama, janela, sol. Chimarrão, jornal. Abrigo, tênis, leite frio, granola. Rua, automóveis, árvores, avenida. Suor. Casa, chuveiro, toalha, barba, perfume. Computador, papéis, impressora. Livro. Prato, salada, pão, vinho. Poltrona, televisão. Roupa, pasta, consultório. Conversas. Carro, faculdade, sala de aula. Giz, quadro, alunos. Carro, mesa grande, muita gente, ela...
Uma releitura para a personagem Ema de Madame Bovary.

Enquanto estava no quarto, arrumando-se para a Noite do Brilho, onde seria homenageada por ter se destacado na administração de uma Clínica, Ema pensava no que tinha sido sua vida até aquele momento.
Conhecera Charles quando este, recém formado, tinha vindo à sua casa para examinar seu velho pai, que torcera o pé ao cair no banheiro.
Charles havia notado aquela mulher de belos olhos castanhos, francos e arrojados, de mãos pálidas e alvas unhas. Cabelos longos, repartidos ao meio se juntavam atrás da nuca em uma longa trança. As faces rosadas iluminavam a sala. Apaixonou-se de imediato.
Ema também ficou impressionada com a presença bonita daquele jovem, que tão gentilmente atendia o pai.
As conseqüências são sabidas: depois de um período longo de noivado, preparações de enxoval, escolha de local, bufês, convidados, etc. haviam casado já há alguns anos.
Com o tempo se desencantara. Sonhara uma vida glamurosa, de viagens, conhecimento de lugares exóticos, passeios de mãos dadas ao luar, um cottage francês. Nada disso acontecera. Charles não conseguia perceber os desejos da mulher; sua conversa era lisa como o passeio da rua. Não demonstrava nenhuma curiosidade em conhecer outras cidades, não praticava nenhum esporte. Não ensinava nada; a vida amorosa era escassa e sem criatividade. Supunha-a feliz, portanto não questionava nada.
Ela, agora, diante do espelho, se dava conta que a vida estava passando, que se dedicara à administração da Clínica do marido, estava sendo homenageada, mas o coração enregelara, sonhos haviam morrido.
Não deveria morrer também?

Thursday, August 16, 2007

Pelotas.
Riqueza, opulência, futilidade. O charque trazia tudo isso. O tempo passava e o charqueador seguia fazendo as mesmas coisas. Não se apercebia que o mundo mudava.
De repente a modernidade se instala, surge a refrigeração! A carne salgada torna-se obsoleta.
E o charqueador segue vivendo na riqueza, na opulência e na futilidade!
Vem a grande crise dos anos 30 do século passado; quebra o Banco Pelotense, fortunas se esfumaçam da noite para o dia. A cidade fica estagnada.
Ainda agora, na mentalidade das novas gerações, como um fantasma, segue existindo a riqueza, a opulência e a futilidade.
Como sou?
Sou como uma garrafa de vinho. Nem muito jovem porque assim não teria personalidade, nem muito velho porque perderia o sabor.
Gosto de ser bebido aos poucos, com amigos e familiares, em ocasiões especiais. Assim posso não só conhecê-los melhor, como deixar que me conheçam. Se me apressarem, azedo!
O Casamento
Linda, majestosa, cabelos presos ao alto, um longo véu cai pelas costas até o chão.
Covarde, fico estático, com medo até de respirar. Poderia denunciar meu desespero. Tardiamente descobri que a amo!
novembro de 2003.