Dr. Nei Guimarães Machado*
“Sofro sem sentir nem pensar. Tudo é tanto, tudo é tão fundo, tudo é tão negro e tão frio”.
Fernando Pessoa.
O conhecido escritor português dizia sofrer de “neurastenia” – uma forma de depressão, hoje englobada na Distimia. O que vem a ser a distimia? Trata-se de um transtorno persistente do humor, que até ficou conhecido como “doença do mau humor”, decorrente de uma disfunção neuroquímica do mau aproveitamento de serotonina e noradrenalina pelo cérebro. Fatores ambientais também estariam na gênese desta doença. O distímico, de modo geral, é uma pessoa pessimista, irritada, que parece estar permanentemente “de mal com a vida”. Precisamos saber diferenciar os maus humores passageiros, decorrentes de situações específicas como brigas, frustrações e perdas, de um mau humor persistente, que pode durar mais de dois anos, independentemente de fatores situacionais. Quando isso ocorre estamos falando, então, de distimia, uma doença crônica que deve ser tratada por profissionais especializados.
Fernando Pessoa, no “Livro do Desassossego”, revela um mau humor constante e uma grande irritabilidade diante de situações que para outras pessoas não teriam grande relevância. Descreve ele suas sensações como “uma náusea física da vida”, um sentimento de estar “sem alma para trabalhar”, um “insuportável tédio de todas as caras”.
No distímico o humor costuma ser triste/melancólico, mas pode ser irritável, com predomínio de ansiedade, o que faz com que muitos pacientes não se julguem deprimidos até que o quadro se agrave, chegando a angustia e “dor” psíquica. Quanto mais crônico for o curso dessa enfermidade, mais ela se confunde com a personalidade, com o “jeito de ser” do indivíduo, como vimos nas citações de Fernando Pessoa.
Pesquisa feita nos Estados Unidos (sempre lá!), pelo Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH), indica um índice de 3,1%, ao longo da vida, para distimia entre pessoas com mais de 18 anos. Admite-se que a distimia comece na infância e/ou adolescência, manifestando-se, muitas vezes, por humor irritável e distúrbio do comportamento, o que provocará, na maioria das vezes, desadaptações na família e na escola, afetando o desempenho intelectual e social.
Em relação à origem desta doença (etiopatogenia) há um consenso que dá o mesmo valor para fatores genéticos e ambientais. História familiar com casos de transtorno depressivo deve ser valorizada bem como antecedentes nos pais de distímicos, de uso de substâncias psicoativas (alcoolismo ou outras drogadições). Eventos traumáticos vitais, principalmente os vinculados a perdas, têm sido reconhecidos como fatores de risco para distimia.
Tendo em vista que os distímicos são cronicamente melancólicos, tristes, niilistas e de baixa auto-estima, com risco de suicídio trinta vezes maior do que para a população geral, devido a seu sentimento de desesperança, impõem-se maiores estudos para um diagnóstico mais acurado e, conseqüentemente uma terapêutica, tanto psicofarmacológica como psicoterápica mais eficiente e eficaz.
*Médico Psiquiatra responsável pelo “Ambulatório de Transtornos Afetivos” do CETRES-UCPEL
Publicado no Diário Popular de 29/09/02.